Almanaqueiras: ou não queiras.

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terça-feira, 20 de março de 2018

Na leitura mais benigna, o ministro é um ultrapragmático. Já que não há mais dinheiro para fazer boa medicina, vamos pelo menos dar à população a sensação de que ela é atendida e pegar uma carona no efeito placebo.

Ministro da Saúde parece seguir Mao ao aumentar a lista das pseudomedicinas custeadas pelo SUS  


Helio Schwartsman

Mao Tsé-tung não acreditava na medicina tradicional chinesa (MTC), mas a inventou. A crer nas memórias de Li Zhisui, um de seus médicos particulares, o camarada Mao, além de só se tratar com a medicina ocidental, considerava totalmente implausíveis os princípios norteadores da MTC.

O peso da realidade, entretanto, se impunha. A China havia feito uma revolução comunista. Deveria, portanto, prover saúde à população. Só que o país tinha, nos anos 50, uma população de cerca de 500 milhões de almas e contava com pouquíssimos médicos treinados no Ocidente para atender a toda essa gente.

A solução vislumbrada por Mao foi tentar convencer os chineses e o mundo de que a MTC, que já tinha seu pequeno exército de praticantes, funcionava. Seguiu-se, então, um movimento para unificar e “cientificizar” a MTC, que era um amontoado de teorias altamente idiossincráticas e contraditórias umas com as outras, e, mais importante, uma ampla campanha de propaganda.

Mao embalou a MTC num discurso dialético que prometia promover a síntese marxista entre o melhor do Oriente e do Ocidente. Deu tão certo que o próprio Ocidente se encantou com a ideia, tornando-se um consumidor ávido de acupuntura e outras práticas da MTC —apesar de as melhores revisões científicas sugerirem que elas não passam de um efeito placebo turbinado.

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, parece seguir os passos do camarada Mao ao aumentar a lista das pseudomedicinas custeadas pelo SUS, que passaram de 5 para 29 e agora incluem aromaterapia, cromoterapia, constelação familiar e florais.

Na leitura mais benigna, o ministro é um ultrapragmático. Já que não há mais dinheiro para fazer boa medicina, vamos pelo menos dar à população a sensação de que ela é atendida e pegar uma carona no efeito placebo. Na menos, ele realmente acredita nessas coisas.

Hélio Schwartsman
É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e colunista.

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