Joyce festeja 70 anos com obra jovial que delineou assinatura feminina na música
Pela música, de tom jovial e com uma bossa que soa sempre nova, ninguém diz que Joyce Moreno faz hoje 70 anos. Mas o fato é que essa cantora, compositora, instrumentista carioca nasceu em 31 de janeiro de 1948 com o nome de Joyce Silveira Palhano de Jesus. Um grande nome da música do Brasil que tem o mérito de ter colaborado decisivamente para delinear e reforçar com nitidez a assinatura da mulher brasileira na arte da composição, historicamente iniciada sob o domínio masculino.
Joyce Moreno – em foto de Leo Aversa – era apenas Joyce quando lançou há 50 anos pela gravadora Philips o primeiro álbum, aliás intitulado tão somente Joyce. Neste ano de 2018, Joyce celebra os 70 anos de vida e, na música, promove volta àquele seminal ano de 1968, regravando o disco em que deu voz a uma parceria com Jards Macalé, Choro chorado, e – mais importante – apresentou cinco composições autorais criadas sem parceiros. Uma dessas cinco músicas, Me disseram, é especialmente emblemática. Porque era incomum na época uma mulher compor e cantar versos como "Já me disseram / Que meu homem não me ama / Me contaram que tem fama / De fazer mulher chorar".
Parece pouco, mas era muita (saudável) ousadia naquele ano de 1968 em que a mulher ainda lutava pelo direito de ser voz plenamente ativa na sociedade. Joyce sempre se mostra (e gosta de ser) mulher na obra autoral que começou a arquitetar naqueles anos 1960 e que ganharia relevo nacional a partir de 1979, ano em que Maria Bethânia deu voz à música Da cor brasileira, em cuja letra Joyce perfilava o macho nacional com doses equilibradas de erotismo e reflexão sobre o comportamento do homem nas relações afetivas.
Contudo, seria injusto e reducionista enquadrar a obra autoral da compositora de Feminina (1979) em moldura feminista. Como compositora ou cantora (de voz maturada com o passar dos anos), a artista exerceu a liberdade de compor e gravar o que lhe soasse melhor aos ouvidos acostumados à fineza do samba e à bossa de João Gilberto. No álbum Passarinho urbano (1976), por exemplo, Joyce se exercitou como intérprete em repertório que incluía músicas de, entre outros, Caetano Veloso, João Bosco e Sidney Miller (1945 – 1980).
A propósito: à obra deste compositor carioca, evidenciado na década de 1960 e depois esquecido, Joyce já dedicou show – feito com o violonista Alfredo Del-Penho em 2012 no Instituto Moreira Salles, na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ) – que vai gerar disco ao vivo neste ano de 2018, como parte das celebrações dos 70 anos da artista.
Raro exemplo de compositora que completa 50 anos de carreira com a mesma inspiração da aurora da vida, Joyce é cantora e violonista de musicalidade tão grande que o senso rítmico sempre se releva sagaz, nos estúdios ou nos palcos. Por conta dessa bossa, Joyce tinha a admiração de soberanos da música brasileira como Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994). Fosse um país que valorizasse mais os talentos dos artistas que legou ao mundo, o Brasil estaria hoje unido na celebração dos 70 anos de vida da sempre jovial Joyce Moreno.
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