Almanaqueiras: ou não queiras.

Almanaqueiras: ou não queiras.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

"Palavras de delatores somadas a alguns indícios geram um risco bastante grande de condenações injustas."

Ação contra Lula dirá se indício pode condenar

ESTELITA HASS CARAZZAI




Às vésperas da primeira sentença do ex-presidente Lula na Lava Jato, acusação e defesas vêm travando um debate: indícios são suficientes para condenar?

A questão ganhou corpo nas últimas manifestações do processo que julga se o petista recebeu propina por meio de um tríplex em Guarujá. O centro da discussão é a prova indiciária, ainda controversa no meio jurídico.

A sentença do juiz Sergio Moro deve virar referência na avaliação se indícios podem ou não condenar alguém.

A força-tarefa da Lava Jato é uma das principais defensoras desse tipo de prova, e considera que indícios, somados a outras circunstâncias probatórias, podem levar a uma condenação em casos de crimes graves e complexos, que não deixam provas diretas -caso da corrupção e da lavagem de dinheiro.

"Ou se confere elasticidade à admissão das provas da acusação e o devido valor à prova indiciária, ou tais crimes, de alta lesividade, não serão jamais punidos e a sociedade é que sofrerá as consequências", afirmaram os procuradores, em alegações finais a Moro.

As defesas do ex-presidente e de outros réus rebatem esse ponto de vista, que, para eles, contraria o princípio da presunção de inocência.

"Esse discurso é tão moderno quanto a Santa Inquisição, as monarquias absolutistas e as teorias fascistas", disseram os advogados de Lula, também em alegações finais.

Pela doutrina, o indício é definido como um fato acessório que tem conexão com o crime. Se alguém, por exemplo, viu um suposto assassino sair correndo do local da morte com uma arma na mão, seu testemunho é um indício. "Vários indícios apontando sempre em uma mesma direção podem demonstrar a ocorrência de um fato", afirmou o promotor de Justiça de São Paulo César Mariano da Silva, em artigo recente no site "Consultor Jurídico".

No caso do tríplex, seriam exemplos de provas indiciárias, além dos depoimentos de delatores, documentos apreendidos na casa de Lula, que fazem referência ao apartamento; ou um encontro do ex-presidente com Renato Duque, acusado de desviar recursos da Petrobras, após a veiculação de denúncias de que o ex-diretor da estatal teria contas no exterior.

Para o Ministério Público, em ambas as situações faltaram explicações convincentes de Lula -e as provas levariam à conclusão de que ele sabia de desvios na Petrobras e era o dono do tríplex.

A defesa do ex-presidente sustenta que a avaliação "racional, objetiva e imparcial" das provas sugere o contrário, e que a tese da Procuradoria é um "castelo teórico".

Para eles, foi impossível comprovar que os contratos da Petrobras citados na denúncia foram a fonte dos valores investidos no tríplex, muito menos que o imóvel pertencia a Lula.

"O que fez a acusação foi tentar justificar o fato de que não foi possível juntar aos autos as provas satisfatórias ao alicerce de uma sentença condenatória", afirmou o advogado Fernando Fernandes, defensor de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula.

PARADIGMA

O veredicto de Moro pode levar à consolidação de um novo paradigma sobre provas indiciárias -que, para alguns, teve momento decisivo no julgamento do mensalão.

Na ocasião, ministros do STF entenderam que "provas indiciárias são aptas a justificar o juízo condenatório".

A questão, porém, ainda é controversa. No mesmo julgamento, a ministra Cármen Lúcia disse que "a condenação exige juízo de certeza", e que provas indiciárias, portanto, não seriam suficientes para formar convicção de culpa.

"É absolutamente perigoso", diz o advogado Carlos Eduardo Scheid, doutor em Direito e professor da Unisinos. "Palavras de delatores somadas a alguns indícios geram um risco bastante grande de condenações injustas."

Outros, porém, defendem a regra da livre apreciação da prova pelo juiz, prevista no Código de Processo Penal -sejam elas diretas ou indiciárias.

"Indícios, quando fortes, seguros e não contrariados por contraindícios ou provas diretas, podem autorizar o juízo de culpa", disse o ministro Dias Toffoli, em decisão recente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário